Paranaense sofreu acidente de monociclo e precisou passar pelo procedimento para preservar o cérebro. Neurocirurgiã detalha como funciona a cirurgia.
João realizava entrega de produtos quando caiu do monociclo. Ele teve várias fraturas pelo corpo, entre elas, uma forte batida na cabeça, que causou um traumatismo craniano e inchaço do cérebro (edema cerebral).
Após a forte pancada, o jovem precisou passar por um procedimento onde parte do osso craniano, chamada pelos médicos de “calota craniana”, precisou ser cortada e depois recolocada na região do abdômen por três meses.
O paranaense compartilhou nas redes sociais vários vídeos mostrando todo o processo de recuperação. Foi ali que João percebeu que o ambiente digital pode ser tóxico, mas também um espaço de acolhimento, inspiração e informação para outras pessoas.
“As pessoas estavam torcendo muito pelo meu bem, sempre apoiando e curiosas sobre a cirurgia também. […] Eu fico feliz de mostrar pras pessoas que, se eu sobrevivi, e, se eu continuei batalhando, eu posso servir como fonte de inspiração para outras pessoas que passaram por algo semelhante.”
A neurocirurgiã Kelly Cristina Bordignon Gomes atendeu o jovem após o acidente e explica que fortes pancadas na cabeça, assim como em outras regiões do corpo, geram inchaço.
A diferença é que, na cabeça, as fraturas podem levar a lesões como o traumatismo craniano, que pode evoluir para edema cerebral – inchaço muito grande em um determinado lado do cérebro, “empurrando” todo o órgão para o outro lado do crânio, detalha.
Médica explica lesão sofrida por jovem e retirada de calota ‘grudada’ na barriga
Segundo a médica, em casos como o de João, após avaliação, é feita a remoção da “calota craniana” por meio de uma cirurgia chamada craniotomia descompressiva. O objetivo é reduzir a pressão craniana, já que o conjunto de ossos da cabeça não tem aberturas que permitam que o cérebro inche totalmente.
“Com a remoção da calota, esse cérebro que está inchado passa a ter espaço para comportar aquele inchaço, evitando que estruturas nobres se cerebrais, sejam danificadas”, explicou a médica.
Se parte do osso craniano não for removida, há risco de o paciente ter sérias lesões no cérebro, podendo até morrer.
A neurocirurgiã afirma que, após a retirada de parte do crânio, existem opções como guardá-la em bancos de ossos. Porém, a maior parte dos hospitais não tem essa estrutura. Por isso em muitos casos o osso é realocado no abdômen para ficar preservado de infecções e facilitar a reabsorção óssea quando for recolocado na cabeça.
“Ele não fica lá dentro da barriga, em contato com o intestino, enfim, bexiga, mas, sim, na parede abdominal em uma camada subcutânea onde tem pouco de gordura e o osso fica ali. A calota é grande, então não pode ser num lugar que tenha qualquer tensão da pele, não pode ser numa coxa”, explicou a médica.
Ilustração mostra como parte da calota craniana é cortada durante o procedimento — Foto: Reprodução/artigo científico “Wartime decompressive craniectomy: technique and lessons learned”
A recolocação da ‘calota craniana’
Após o acidente, João ficou nove dias em coma em um hospital de Toledo. Depois, foi para um quarto e, um mês após o acidente, teve alta hospitalar com parte do crânio no abdômen.
Para a recolocação do osso, o cérebro precisa estar completamente desinchado e o paciente em boas condições de saúde, entre outras avaliações feitas pelo neurocirurgião. No caso de João, foram necessários três meses.
“Foram feitos exames de tomografias computadorizadas para verificar como que o meu cérebro estava se comportando. Quando estava no momento certo, que não é uma regra ser três meses, podem ser seis meses, pode ser que talvez seja em menos, […] foi marcada a cirurgia em que foi tirado do meu abdômen e colocado de volta no meu crânio”, explicou o jovem.
— Foto: Entrevista g1
A médica explica que na recolocação são usados pequenos parafusos para a fixação do osso novamente no crânio.
“É colocado esse osso no local e a gente coloca umas plaquinhas e uns parafusinhos, muito pequenos, de quatro milímetros de profundidade e esses parafuzinhos, junto com as plaquinhas fixam a calota, esse osso que foi retirado ao restante do crânio”, explicou a profissional.
A médica afirmou ainda que, em geral, o procedimento é satisfatório, mas que em caso de rejeição do osso, é possível fazer o preenchimento do local com prótese.
A vida pós acidente
João contou ao g1 que possui o monociclo há sete anos e que a paixão pelo veículo tem influência do pai. Mais de 20 mil quilômetros rodados resultaram em vídeos que ele compartilha em cinco redes sociais, onde acumula mais três milhões de seguidores.
E por que falar no veículo? O modelo Bigote T era o usado por Lucas no dia do acidente.
“Eu sempre reforço para as pessoas que a culpa do acidente não foi o veículo em si, foi acidente de trânsito que envolveu outras pessoas também. Então, não foi culpa do veículo, foi algo fora do comum”, explicou o jovem garantindo que o veículo é seguro.
No dia do acidente, ele andava com o monociclo quando, ao desviar de um carro que parou abruptamente em uma rua, bateu nas chamadas “tartarugas”, sinalizadores posicionados no chão, e caiu.
Ele ainda não pode voltar a andar de monociclo por causa das lesões que também sofreu em um dos joelhos, mas garante que não vê a hora de poder retomar os passeios e entregas no veículo.
“Meu pai estava comigo, minha mãe me apoiando, então a família é muito importante, os amigos são muito importantes. Eu fiquei muito feliz com tantos amigos me apoiando, me ajudando, torcendo. As reflexões são essas, sobre dar mais valor à vida e entender que ela é única e ela é maravilhosa”, refletiu o jovem.
João conta que tem encontrado formas de ressignificar a vida e de aproveitar cada instante ao lado de quem realmente importa, como família e amigos.
“O aprendizado que eu tive foi de aproveitar mais a vida, correr mais atrás dos meus objetivos, de entender que a vida é uma só e que infelizmente, do dia para a noite, comigo mesmo ou algum colega, amigo, pode não estar mais ali. Então, aprendi a dar valor a cada momento”, frisou João.